sexta-feira, 13 de junho de 2008

Viva o vivo?

“No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenômeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quanto horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão freqüentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai chegar a morte em primeiro lugar.” (SARAMAGO, José. AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE)

Saramago em seu livro “As Intermitências da Morte” faz uma crítica ao não morrer e que é claro, sendo levado da fantasia à vida real, nos traduz o finito que é a vida dita terrena. Um certo dia, a Morte com um ar um tanto de despeito, decidiu não mais buscar por ninguém, haja visto que todos faziam o máximo pra se afugentar dela, situação entendida como menosprezante. Daí vieram os problemas: desde os econômicos originados pelo alto custo da manutenção da saúde e previdência com idosos, até mesmo a impossibilidade de ressurreição e portanto a falta de razão pela qual se respeitam os desígnios de Deus, influenciadores morais de extrema importância em grande parte das sociedades.
Há muitos anos o homem tenta combater a morte. A Medicina tem se desenvolvido em progressão assustadora e isso contribui para o prolongamento da vida. Eis que surgem algumas dúvidas em relação até quando se deve prolongá-la. A Tanatologia tem um papel relevante no estudo dos processos de morrer e muito tem contribuído para o levantamento de questões que nos fazem tomar nossas próprias conclusões a respeito do assunto. É notável que principalmente a religião e seus dogmas são os responsáveis pelo embasamento dos que são desfavoráveis à implantação da eutanásia e isso compromete a discussão sobre o assunto, visto que na maioria das vezes possui uma visão unilateral não passiva de aprimoramentos. Deve-se, sobretudo, dar-se campo ao diálogo entre a ética e a religião para que considerações outras possam ser estabelecidas.
Dentro da humanização da saúde, várias ações vem sendo realizadas no intuito de manter a dignidade do indivíduo, e as discussões tem neste ambiente um campo fértil para o desenvolvimento de alternativas para a condução do paciente terminal.
Sob o meu olhar, a autonomia do paciente é o que determina seu destino. Desde que apto a fazer uma escolha e que essa não transgrida os códigos éticos no que diz respeito à não-maleficência ao próximo, sua vontade deve ser respeitada, afinal é ele quem sentirá todo o processo, quase que sempre muito sofrido e desgastante.

Um comentário:

Patrícia disse...

Genial, melhor livro dele. O meu está todo sublinhado.

"...a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem"